Juntos pela Liberdade de Consciência
UMA GRANDE VITÓRIA PARA KEPPE E PACHECO
No Dia 22 de Junho de 1995, realizou-se em São Paulo, na Sala Teotônio Vilela da Assembléia Legislativa de São Paulo o Ato Público – Brasil/Europa – Juntos pela Liberdade de Consciência – 7 anos do Caso Keppe e Pacheco, onde autoridades, Parlamentares do Brasil e do exterior, expoente s do campo do Direito, intelectuais, organizações culturais e de defesa dos Direitos Humanos e público em geral, trouxeram a debate as questões dos Direitos Fundamentais dos escritores e psicanalistas Norberto da Rocha Keppe e Cláudia de Souza Pacheco, que foram violentamente atacados em 1988 pelo Governo Americano (Ronald D. Reagan) e por elementos do Itamaraty, da Administração Sarney e da Mídia brasileira.
O seqüestro pelos agentes do FBI, a prisão, a tentativa de assassinato, a extorsiva fiança de um milhão de dólares foram uma tentativa de calar a consciência que Keppe e Pacheco traziam ao povo através de seu trabalho.
Além dos motivos ideológicos, tudo leva a crer que, em 1986, ambos deram início às investigações, nos Estados Unidos, que levaram ao escândalo Irã/Contra o qual revirou o cenário da política americana e internacional – fato que teria motivado a violenta «vendeta» do ex-presidente Reagan e do seu grupo.
É a primeira vez que a Assembléia, ou um órgão público no Brasil se reúne pela defesa da Liberdade de Consciência.
Em conjunto os presentes firmaram um Manifesto ao Presidente da República do Brasil para que Keppe e Pacheco pudessem fazer uso de suas garantias constitucionais e retomar ao Brasil em ampla liberdade.
Tal é a força que uma iniciativa de caráter internacional como esta pode obter que, após 7 anos de lutas pelos direitos dos dois cidadãos ilegalmente «exilados», foram finalmente emitidos documentos oficiais diretamente do Governo Federal – Ministério da Justiça Federal atestando a limpidez das vidas de Keppe e Pacheco, oferecendo-lhes plena segurança em território nacional. (vide documentos anexos)
A abertura oficial do evento foi feita pelo Dr. Ricardo Tripoli, Presidente da Assembléia Legislativa da capital paulista. São suas palavras:
«Não podemos ignorar o cerceamento às manifestações individuais ou coletivas à liberdade de consciência que por vezes ocorre. É preciso adotar medidas que dêem um basta a esta situação, e neste contexto o poder legislativo é um dos caminhos adequados a viabilizá-los. Assim sendo, ao abrir o trabalho deste Ato Público, não poderia deixar de colocar este poder à disposição, para que juntos possamos estabelecer ações que ao menos minimizem este problema tanto aqui em São Paulo, no Brasil, como em outros países, pois ele não se verifica só aqui, mas no mundo todo. »
Falou posteriormente o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil Secção de São Paulo, Dr. Guido Antônio Andrade, também presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB. Transcrevemos a seguir um trecho de sua fala:
«… exemplo de cidadania que é o caso de Keppe e Pacheco. Cidadania e sociedades se constroem com figuras e participação em cada tijolo nesta cadeia de criação de maior fraternidade, maior liberdade e maior igualdade entre os homens e entre os seres humanos. Então hoje a Ordem se engalana, se sente feliz de estar numa solenidade importante, onde se discutirá por este ato público coisas de liberdade de consciência. Isto faz com que nós, homens e mulheres, nós, advogados e advogadas, nós, os legisladores que aqui estamos e todos aqueles que se interessam para que a criatividade humana se evolua para um mundo melhor, onde cada um saiba e cada um participe no avanço da humanidade».
Em seguida, falando por Portugal, o Secretário Geral da Ordem dos Advogados deste país. Dr. Luis de Sande Freire fez um brilhante discurso em nome da Liberdade de Consciência e de expressão, em defesa dos psicanalistas (ver Moção apresentada pelo membro George Foulkes no Parlamento inglês no dia 7 de fevereiro de 1993).
Em prosseguimento manifestou-se a Dra. Márcia Regina Büll, ex-procuradora do Estado de São Paulo e advogada dos professores Dr. Norberto Keppe e Dra. Cláudia de Souza Pacheco:
«A reunião desta noite tem como objetivo trazer ao conhecimento do público e do poder legislativo do Brasil este caso, que já foi tratado inúmeras vezes a nível federal, foi trazido ao conhecimento da Procuradoria Geral da República e diversas moções parlamentares foram feitas em diferentes estados do Brasil solicitando informações ao Ministério das Relações Exteriores, também ao Ministro da Justiça, ficando tudo isso sem nenhuma resposta. Hoje estamos aqui reunidos para trazer este caso como exemplo de inúmeros outros que ocorrem no Brasil. Este dois escritores, democratas por excelência, vivem no exterior e são difamados pela imprensa do Brasil, que é manipulada pelo poder econômico. Nós pretendemos com este Ato Público trazer de volta não só Keppe e Pacheco, intelectuais brasileiros que não estão aqui presentes, que poderão colaborar para que a Democracia realmente seja implantada no país, mas sobretudo para trazer consciência – como bem retrata o nome do evento Juntos pela Liberdade de Consciência. Nós pretendemos fazer este intercâmbio entre o Brasil e a Europa reunindo intelectuais, psicanalistas, artistas, pessoas éticas para fazer este intercâmbio de cultura, de justiça e de dinamismo, para poder levantar a nossa cidadania, aplicar na prática, por que existem os tratados, as leis, mas infelizmente são letra morta, nós precisamos fazer com que sejam aplicados. Somente através da conscientização dos fatos que ocorrem é que nós poderemos exigir os nossos direitos. O Dr. Norberto infelizmente não pode estar presente, então nós fizemos uma gravação, um documentário com ele, de alguns minutos para os senhores sentirem qual é a mensagem deste escritor.»
Logo após, a Dra. Márcia leu a carta do Dr. Jeremy Corbyn, Deputado do Parlamento Britânico em apoio a Keppe e Pacheco, que transcrevemos a seguir:
«Envolvi-me com este caso já há algum tempo, ocasião em que fiz chegar tanto ao Embaixador dos Estados Unidos da América como ao Senhor Procurador Geral da República daquele país, minha séria preocupação quanto ao modo pelo qual este caso vem sendo conduzido, bem como a assustadora maneira como estes dois indivíduos vem sendo tratados. O aprisionamento destes escritores e psicanalistas quando em preparo para um Congresso, tendo já publicado trabalhos de contestadora natureza, do procedimento e do processo judicial, bem como a forma com que o caso tem sido repudiado nos Estados Unidos desde então. A fiança exorbitante, a prisão domiciliar, os exames íntimos e a apropriação de bens são chocantes. Igualmente o é o silêncio da imprensa. Desde sua prisão em 1988 a vida destes escritores em muitos aspectos tem sido afetada de maneira adversa. Primeiro tiveram que fugir dos Estados Unidos, estando incapacitados de lá retornar, pois não teriam absolutamente um julgamento ou audiência justa. Em segundo lugar houve um grande volume dos bens confiscados, inclusive manuscritos inéditos. E em terceiro, foram tolhidos em sua liberdade de movimentos e na publicação de suas obras. Como se trata de assunto de escopo internacional a preocupação com o caso é internacional e tem sido manifestada no Parlamento Britânico, no Parlamento Europeu e em outras instituições européias. Na House of Commons, trinta e dois Membros assinaram uma moção parlamentar em apelo ao governo britânico no sentido de fazer-se representar junto ao Procurador Geral da República nos E.U. da América requerendo a anulação do caso. É drástico que os direitos de Keppe e Pacheco sejam tão violados, há tanto tempo, fazendo-os passar por tamanho suplício. Faz-se necessária a ação de todos os governos neste assunto, em particular a dos Estados Unidos da América, onde a violência ocorreu, e a do Brasil, cujos cidadãos têm sido teia abusivamente tratados. Há ainda um outro aspecto a considerar. Keppe e Pacheco são grandes e originais pensadores, que desafiam as suposições dos grandes mercados da destruição ambiental e da destruição social. As gerações futuras serão muito conscientes da necessidade deste tipo de análise. Eu farei com que este caso não caia no esquecimento aqui no Reino Unido.»
A seguir transcreveremos algumas palavras do Dr. Jamil Murad, deputado Estadual de São Paulo, líder da bancada do Partido Comunista do Brasil:
«Não é à toa que Keppe e Pacheco sejam perseguidos e até hoje por esta sociedade, por essa mesma justiça, por esse mesmo comando de Oklahoma. Ali pesa por eles serem brasileiros, ali pesa por eles quererem a liberdade de consciência, ali pesa por divergirem da opinião do sistema. Então, eu quero neste momento, na medida em que descrevi algo sobre a situação no Brasil, na Europa e nos Estados Unidos, onde Keppe e Pacheco são perseguidos, eu queria mostrar que há tudo para o fortalecimento e consolidação de um Fórum de cooperação e de trabalhos conjuntos entre instituições e personalidades da Europa e do Brasil. Aqui na Assembléia Legislativa foi lançado um projeto de constituição de uma Comissão de Direitos Humanos. O Deputado Renato Simões foi quem propôs a formação desta Comissão com o nosso apoio, o qual está em tramitação. Nós desejamos então que a Assembléia se pronuncie ainda mais para defender os direitos humanos aqui no Brasil e que seja um órgão de cooperação entre todos os povos.»
Dr. Flávio Borges d’Urso na condição de Conselheiro da Ordem dos Advogados do Brasil, Seção São Paulo e de Presidente do Conselho Estadual de Política Criminal do Estado de São Paulo, a seguir pronunciou-se:
«Fui instado a falar alguma coisa sobre presunção de inocência vista no diapasão de um princípio constitucional, isto à luz do enfoque da mídia brasileira. Falar sobre a presunção de inocência é extremamente agradável, na medida em que isto revela um verdadeiro exercício de cidadania e o verdadeiro escudo na luta pela defesa dos direitos humanos. Quando o Brasil chega à conclusão de que a presunção de inocência, ou seja, todos absolutamente todos são inocentes até que haja uma decisão penal condenatória, tramitada em julgado, ou seja, todos são inocentes até que tenha uma manifestação do Judiciário definitiva condenando aquele indivíduo. Quando estamos diante desta presunção, na condição de princípio constitucional, nós temos de trazer isto para nossa realidade. Lamentavelmente, custou muito para que tivéssemos a presunção de inocência solidificada neste princípio constitucional. Mas, a partir do advento da Constituição de l988 isto é uma realidade. Mas, é uma realidade ainda dentro da esfera legislativa, é ainda uma realidade abstrata, porque na prática a presunção de inocência tem sido negada a muitos brasileiros. Aqui e lá fora, como nós estamos vendo neste caso Keppe e Pacheco, que comemora sete anos de injustiças. Este é o mote, o gancho, para que nós façamos uma reflexão sobre questões de violações de Direitos Humanos que existem em todo o mundo e principalmente em nosso país. Questões estas que acontecem muitas vezes pela inobservância da presunção de inocência. Quando nos reunimos num Ato Público desta importância para falar sobre liberdade de consciência nós estamos falando diretamente sobre presunção de inocência. O Brasil tem dado demonstração de que erros acontecem. E erros acontecem na manifestação do Estado na prestação jurisdicional. Temos de estar atentos aos erros desta manifestação estatal, aos erros judiciários que acontecem. E antes disto, aos erros de interpretação da esfera policial com relação à incidência de indícios suficientes para ter alguém apontado como averiguado, não como réu, não como culpado, não como condenado, mas tão somente como averiguado e isto tem sido suficiente para verdadeira execração pública dessas pessoas que, lamentavelmente tornam-se vítimas dessa estrutura. No caso da Escola Base, em que algumas pessoas foram prematuramente presas (..), por exemplo, no momento em que estas pessoas foram expostas à mídia nacional. É aí que temos de observar a presunção de inocência. Porque, no momento em que foram expostas à mídia nacional e que a execração pública ocorreu, estas pessoas tiveram decretado a sua condenação pela opinião, não à opinião pública, mas a opinião que se publica. E essas pessoas, embora exteriormente, com manifestação expressa do Judiciário de que não eram culpadas, que não tiveram participação em abuso sexual de criança alguma, jamais conseguirão reconstruir, em primeiro lugar o seu negócio, que foi aniquilado, saqueado por aqueles opositores, por aqueles que, mobilizados num verdadeiro linchamento assim procederam, e jamais conseguirão reconstruir as suas vidas. Esses casos devem servir de exemplo para todos nós, que pretendemos observar os direitos humanos, a liberdade de consciência e a presunção de inocência, deve servir de exemplo para que estejamos sempre alerta, que o Estado erra, que o Judiciário erra, até porque o Judiciário é composto por pessoas humanas, embora este erro seja em grau diminuto, a divulgação prematura deste erro pode torná-lo irreparável. Encerrando esta manifestação eu gostaria derradeiramente de registrar que nós só podemos pensar em um país novo se nós tirarmos a presunção de inocência de um princípio constitucional, da letra da lei e arrastarmos isto à nossa realidade, ao nosso dia-a-dia.»
A seguir transcreveremos algumas palavras proferidas pelo Dr. Pedro Paulo Castelo Branco Coelho, Juiz Federal, atuando em Brasília, combatente do crime’ organizado no Brasil:
«Vamos pegar o mote do colega de mesa que narrou sobre o princípio de inocência presumida. Vamos verificar este princípio de inocência com a concepção de cidadania, para dizer o seguinte. A Constituição brasileira assegura o direito de resposta, isto em relação à mídia, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem. A Lei de Imprensa, esta lei defasada que nós temos, de 1967, reproduz estes normativos constitucionais determinando o que cada um responda em nome da lei pelos abusos que cometer. Seguindo o dito popular: A primeira impressão é a que conta a primeira notícia veiculada na mídia é a que interessa e é a que choca. E aí vai ferir o princípio da inocência na prática. Não se traça, nessa impunidade, o limite de responsabilidade tanto do jornalista, autor da matéria, quanto do editorialista ou do dono do jornal, aplicando-se com toda firmeza a responsabilidade objetiva. Urge que se reveja a lei de Imprensa. Que os jornais revejam os seus quadros. Nós precisamos mudar isto com responsabilidade.»
Dra. Márcia pronunciou-se a seguir dizendo:
«Acho que Dr. d’Urso retratou o que realmente acontece, exatamente por que a mídia brasileira encarregou-se de acusar Keppe e Pacheco no lugar de apoiá-los por serem cidadãos brasileiros no exterior. Muitas vezes a mídia acusa em detrimento dessa presunção de inocência, e muitas vezes, infelizmente acaba por conduzir o processo e isso aconteceria nos Estados Unidos se Keppe e Pacheco não tivessem conseguido se retirar daquele país.»
Deu-se aqui o ponto alto do encontro com a apresentação do vídeo em que o próprio Dr. Norberto Keppe, falava aos brasileiros.
Em sua comunicação Keppe disse que o que realmente motivou sua prisão, bem como a de Pacheco no Aeroporto Kennedy, em 25 de junho de 1988, quando ambos dirigiam-se a York, na Inglaterra, para presidirem mais um Congresso Internacional da Sociedade de Trilogia Analítica, foi à publicação de seus últimos dois livros: A Decadência do Povo Americano (e dos Estados Unidos) onde ele dá um alerta àquele país sobre o grave estado de deterioração em que se encontrava, com o óbvio propósito de ajudá-los e A Libertação dos Povos – A Patologia do Poder,onde faz a apologia da Democracia e da Liberdade, dizendo também que «o indivíduo é quem escolhe o seu próprio destino, que o poder político-social está dominado pelo poder econômico representado pela Trilateral, organização formada por banqueiros e empresários de multinacionais do Japão, Estados Unidos e Europa, as quais exercem o domínio econômico – social do resto do mundo».
Esclarecendo sobre os motivos de seu não comparecimento à mesa redonda Brasil/Europa Juntos pela Liberdade de Consciência, ele lembrou que o Brasil é dirigido diretamente de Washington, DC.
«Os presidentes do Brasil têm de comparecer regularmente à capital americana a fim de participarem das reuniões do Council of Foreign Relations para verem de que maneira o país deve fazer para andar dentro dos interesses econômicos da Trilateral.»
«E o povo é que sofre com esta questão. O Brasil está escravizado a uma máquina que emprestou dinheiro e assim tem de pagar cerca de l2 bilhões de dólares por ano em bens e mercadorias para os americanos consumirem. »
Lembrou também que em seu livro Trabalho e Capital, publicado logo em seguida, revela que «o ser humano necessita trabalhar se quiser ter equilíbrio, ele não pode viver de especulação, pois assim torna-se física e mentalmente doente. Sendo assim, os banqueiros que fazem toda esta especulação no mundo, é que trazem os países escravizados aos seus interesses espúrios, pois as leis econômicas são desonestas, visto que os favorecem sempre os grandes empresários. Assim, se não mudarem as leis não será possível voltar à normalidade. Estas pessoas que estão no poder econômico-social são agressivas (anais-sádicas) de modo que toda riqueza está sendo sugada por elas, que por serem doentes, não querem que ninguém viva bem».
Em seguida disse que a Europa em geral não aceita esse tipo de organização econômica americana.
«Os próprios eurodeputados em Estrasburgo e Bruxelas dizem que o sistema sócio-econômico americano não interessa para a Europa». Disse também que atualmente está havendo uma luta entre esse grupo de seitas e sociedades secretas de milionários e banqueiros e toda a organização social e política do mundo, e o povo europeu está lutando para que este grupo de pessoas não consiga mais o poder, para evitar um mal ainda maior. Reiterou ainda que: «O que vai mudar o mundo é a tomada de consciência, não adiantam nada a brutalidade e a violência. A mudança virá através do conhecimento e da consciência, do povo obrigar os governantes a mudarem as leis. A consciência é que irá salvar a Humanidade.»
Em seguida Keppe deu a seguinte mensagem ao povo brasileiro: «o Brasil é o país que possui as maiores riquezas do mundo. O povo brasileiro não tem essa ambição de domínio e poder e quer uma existência razoável, com bens razoáveis. Eu queria convidar o povo brasileiro a se unir a nós para uma vida melhor, a se unir a este trabalho científico e ao de outros que lutam no mesmo caminho, para conseguir o bem estar de todos, para que vençam no mundo.» Continuando Keppe disse que há um grupo de criminosos que os ataca, usando alguns poderes instituídos para isso. Mas reiterou que não existe nenhum problema legal oficial que os impeça de entrar no Brasil, posto que eles são isentos de qualquer crime.
Logo após a apresentação do vídeo, falou o Dr. Carlos Marques, Secretário da Assembléia Municipal de Lisboa, Vice-Presidente da União Democrática Popular – UDP, de Portugal, também apoiando e defendendo os psicanalistas. Transcrevemos um trecho de sua comunicação:
«Quero dizer-vos que estou aqui para intervir em meu nome pessoal e do meu partido, da União Democrática Popular, que este problema dos Direitos Humanos é um problema do qual muito se tem falado nestes Últimos anos, sobretudo propagandeado pela mídia. Sobretudo a partir dos anos 90 levantou-se uma onda no mundo, lançada por essa mídia, de que finalmente os direitos humanos estavam aí. Tinha caído o Leste, a União Soviética, onde não havia Direitos Humanos e onde, curiosamente, uma onda lançada principalmente pelos americanos no mundo, dizendo que vinham aí os direitos humanos. Eu não sei me pronunciar em concreto sobre o caso Keppe e Pacheco do ponto de vista jurídico, mas como gente perseguida, independentemente das suas convicções políticas e ideológicas, eles têm minha solidariedade e a do meu partido, porque defendemos os direitos humanos não para propaganda, não para aparecer na televisão, mas para serem prática da vida, para serem vividos. Eu quero dar uma ou duas idéias a respeito. Uma primeira é que nos parece, e este caso é exemplo disto, que há uma diferença entre o que está escrito nas leis e o que se passa na vida. Numa campanha que desempenhei política em Portugal usei uma expressão que gosto muito de usar que dizia o seguinte: « As leis nos atuais Estados e nas atuais Sociedades onde os poderes econômicos são extremamente concentrados em grandes oligarquias econômicas que por trás mexem os vários cordéis que conduzem a sociedade, as leis seio pouco mais que teias de aranha. As moscas, os pequeninos ficam todos lá presos. Mas os grandes, os tubarões, passam e rebentam com a teia de aranha e nunca ficam lá presos. Por exemplo, em nosso entender, a crise dos dentistas em Portugal foi por uma razão mais profunda. É porque hoje vivemos em um mundo dividido por três grandes poderes que querem dominar o mundo: o Estados Unidos da América já tradicionalmente há muitos anos, e aqueles dois que já ressurgiram depois da última guerra: o Japão e a Alemanha. Entre esses três querem saber como é que distribuem o bolo, como que criam entre eles zonas de influência determinantes do mercado e de riquezas nacionais. Por isso esses problemas dos direitos humanos e da liberdade de consciência nós pensamos que hoje se agravam. E se têm vindo a agravar nas menores coisas. Naturalmente que aqui foi muito colocado do ponto de vista jurídico, dos tribunais, dos advogados e da presunção de inocência do indivíduo, imediatamente lançar a acusação sobre a pessoa, independentemente de ela ser ou não ser culpada, isto é difícil de retirar. Em política isso acontece diariamente. Todos estes problemas, em nosso entender, deterioram-se dia-a-dia, porque esta acumulação em grandes oligarquias internacionais que comandam por trás das cortinas o mundo e os governos dos países faz com que – é preciso dizer que hoje não dá para haver ditaduras como já houve no Brasil e Portugal porque ela é escandalosa demais – mas faz-se uma democracia de punhos rendados que à primeira vista é democrática, mas onde os direitos à vida, vão sendo cerceados diariamente, nas mais pequenas coisas».
(…) Lembro sempre daquela fase negra que se viveu na Europa na altura da «Santa Inquisição» em que nada era permitido que pusesse em causa qualquer dogma, e um cientista que descobriu que uma verdade que tinha sido verdade até aquele dia, afinal não era tão verdade, ou seja, que não era o Sol que andava em volta da Terra, mas a Terra que andava em volta do Sol, (…) mais cedo ou mais tarde a liberdade há de vir, e há de vir para os povos do mundo inteiro, essa é a minha convicção. »
Finalmente o Dr. Aldo Rebelo, Deputado Federal, Membro do Parlamento Latino-Americano, destacou alguns pontos importantes, dos quais transcrevemos a seguir alguns trechos:
«Os Estados Unidos da América já insinuam a tentativa da imposição de uma legislação chamada extraterritorialidade. No México houve um episódio, de um cidadão mexicano que foi seqüestrado e levado para os Estados Unidos. Na Colômbia, o Parlamento tentou num primeiro momento, depois voltou atrás, aprovar a extraterritorialidade para o caso dos acusados de narcotráfico. No Congresso Nacional esta questão chegou a entrar em debate, foi derrotada inclusive durante a reforma da Constituição ou logo depois, quando o então Ministro da Justiça Nelson Jobim, como relator da matéria tentava aprovar uma legislação que não tinha esse conteúdo, mas tinha características parecidas. Então a Jurisprudência que vai se formando é a de que a Nova Ordem Mundial requer e exige também uma ordenação jurídica que fuja às prerrogativas da independência jurídica das nações. Há uma certa lógica porque se há subordinação econômica é evidente que também se busque um conjunto de leis que ofereçam a esta, a base jurídica.
Não há aí qualquer consideração entre o que é o Direito e o que é a lei, como registra um estudioso argentino: « Sempre há na América Latina a tendência de se confundir duas coisas: o Direito é o que está na lei – quando nem todo direito está na lei. Às vezes a lei não consegue contemplar – em certas circunstâncias o que é direito tanto é que durante a vigência do regime militar transformou-se em bandeira das forças democráticas aqui no nosso país a conquista e a vigência de um estado de direito democrático, e não obstante o país vivia sob o império da lei, a lei de exceção, que era a que predominava durante o regime militar. O episódio que envolveu o Dr. Norberto Keppe e a Dra. Cláudia Pacheco, eu acho que é ilustrativo desses tempos difíceis que nós vivemos. Os Estados Unidos da América têm perpetrado, ao longo de sua trajetória, marcadamente de sua trajetória mais recente, o rol dos crimes mais odientos contra a Humanidade. Ah, se os Estados Unidos, se os americanos fossem julgados pelo que fizeram no Vietnã. O que pagariam pelo crime que cometeram. Pelo auxílio que deram pelo patrocínio que , inclusive contra seus concidadãos, a golpes de Estado na América Latina – na Guatemala, em El Salvador, no Chile, no Brasil, no Uruguai. Recentemente, inclusive nos Estados Unidos houve o episódio do atentado de Oklahoma, e tentaram acusar os palestinos, os muçulmanos, etc. e quando comprovou-se que eram cidadãos norte-americanos, o país entrou numa espécie de comoção. Os Estados Unidos têm se transformado num campo de treinamento para atentados terroristas em outros países. Bombas e outras formas de terror usados em todo mundo, muitas vezes os agentes destes sinistros são treinados nos EUA. Então é evidente que é uma sociedade doente. É uma sociedade em decomposição, apesar do verniz e do perfume que exala nas aparências é um sepulcro caiado, ou seja, «por fora bela viola, por dentro, pão bolorento». É uma sociedade que vive da propaganda maciça ideológica, para vender sua superioridade para o mundo, que não consegue manter o seu padrão de vida a não ser à custa da espoliação de boa parte da Humanidade e é preciso convencer os seus cidadãos do contrário. E quem quer que tente mostrar a verdade evidentemente será perseguido. Eu tive também um depoimento de um professor canadense que escreveu um livro denominado – «O escândalo das sementes», mostrando a apropriação das indústrias de sementes do mundo inteiro por um punhado de empresas multinacionais, empresas agroquímicas, e esse professor quando colocou num livro a denúncia dessa barbárie contra a Humanidade, pois vai tornar a Humanidade cativa, refém das grandes empresas que tenham as matrizes destas sementes, ele foi banido, proibido de entrar e o livro dele proibido nos EUA. Mas não é de surpreender, esta é a lógica do sistema e nós não temos alternativa a não ser denunciá-lo e enfrentá-lo. Nenhum Império é eterno. Hoje, a luta pela liberdade de consciência, pela liberdade de informação é uma luta decisiva para que se possa subverter a ordem iníqua, a ordem perversa que está sendo imposta. A nossa reunião é um momento de estímulo, de incentivo, para que possamos multiplicar o nosso esforço para que a liberdade limitada que nós temos, longe de ser restringida ainda mais, ela seja ampliada com nosso esforço e nossa luta, e a esperança de que isto seja verdade só pode ser com nossa atitude de se dispor a enfrentar. Não é uma esperança passiva, é a esperança da luta. Obrigado.»
Encerrando o evento, a Dra. Márcia Regina Büll leu um manifesto redigido no próprio dia do evento, o qual tem o seguinte conteúdo:
«Por ocasião do sétimo ano da prisão e perseguição dos escritores Norberto da Rocha Keppe e Cláudia de Souza Pacheco, praticados por grupos de corrupção infiltrados nos governos dos Estados Unidos e do Brasil, e considerando que, de maneira velada ou declarada o trabalho de Keppe e Pacheco está ilegalmente impedido nos Estados Unidos e no nosso país, considerando que a forma de tratamento dada ao caso até o momento é atentatória à ética e dignidade humanas sobretudo se verificar que a obra de ambos os escritores é voltada à defesa e garantia integral dos direitos e liberdades dos povos, hoje, 22 de junho de 1995, reunidos na Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo, no auditório Teotônio Vilela, no Ato Público Brasil/Europa – Juntos pela Liberdade de Consciência, os participantes que esta subscrevem, cidadãos brasileiros e europeus, juristas, políticos, intelectuais, e civis, com apoio de parlamentares europeus e organizações governamentais e não governamentais do Brasil e da Europa, requer, à Presidência da República, na pessoa do Dr. Fernando Henrique Cardoso e ao Ministro da Justiça na pessoa do Sr. Dr. Nelson Jobim, imediatas providências no sentido de emitir documento que ateste e que garanta que os psicanalistas e escritores brasileiros Norberto da Rocha Keppe e Cláudia B. de Souza Pacheco podem retornar ao território nacional em liberdade e em pleno gozo de seus direitos».
Este documento foi assinado pelas pessoas presentes e posteriormente enviado ao Presidente da República, Dr.. Fernando Henrique Cardoso.