Luis M. de Sande Freire*
Timor é um fulgurante exemplo, bem recente, de como a Fé e a força espiritual podem resistir e vencer a força bruta apoiada no poder das armas de potências militarmente muito mais poderosas.
O que ali se passou como que ilustra a mensagem de esperança que escrevemos no nosso editorial. Desarmados, contra um exército de guerrilheiros armados e auxiliados pelas forças indonésias, os timorenses resistiram e mostraram ao mundo que o impossível não existe quando com verdadeira coragem se resiste.
Registremos Timor e a Força Suprema que apoiou aquele povo em sua luta.
Contemos igualmente com essa Força Suprema para nos amparar na nossa luta pelos direitos humanos, base de um verdadeiro mundo melhor. O contrário será hipocrisia que também não tem lugar no mundo melhor com que sonhamos, e pelo qual estamos dispostos a lutar para além dos limites das nossas forças físicas, pois as espirituais são inesgotáveis.
Para vosso conhecimento, a seguir transcreveremos a parte da queixa-crime que Direito e Justiça entidade ligada à Association International des Juristes – sediada em Genebra, Suíça, e de cuja direção o autor destas linhas faz parte, entregou na Procuradoria Geral da República de Portugal.
Os Crimes e os seus Responsáveis
Os partidários minoritários da integração na Indonésia, muitos dos quais julgavam que a sua posição iria ganhar por cerca de 70% dos votos, não aceitaram o resultado, e deram seqüência a um plano que havia sido desenvolvido desde outubro de 1998, entre outros, por oficiais generais do Exército Indonésio, por entidades políticas e por chefes locais de «milícias populares». Designadamente os generais Toro Suratma, então comandante militar de Timor Leste; Adam, comandante militar da Região de Baí – a qual engloba, entre outras, toda a Região Leste, Timor e Kupang – Paladan; o brigadeiro Sibolo; o general de brigada Zaky Anwar Maktarim, ao tempo governador militar; o general Prabowo Subianto – genro de Suharto e antigo ministro da defesa, agora refugiado na Jordânia, mas que continua a dar ordens hierárquicas a partir do estrangeiro e que foi o criador, em 1997, das já indicadas «milícias»; os generais Kiki Syanhnakri, (antigo governador militar de Timor, quando se verificou o massacre do cemitério de Santa Cruz) e Sjafrie Samsudir; o governador de Timor-Leste, Abilio Soares Osório, os chefes e elementos preponderantes das milicias, João Tavares e Eurico Guterres (Milícias Al Farak), Francisco Tavares (Milícias Maidi), Câncio de Carvalho, Hermínio Costa, Basílio Araújo, Domingos Soares, Domingos Policarpo, Edmundo Martins, Filomeno e Kornai Lopes da Cruz, entre outros.
Os indivíduos acabados de nomear procederam a massacres generalizados e a deportações de população civil com inclusão de mulheres e crianças, assassínios, violações, torturas, pilhagens, recruta-mento forçado de jovens de sexo masculino para a constituição das mesmas milícias e outros atos de que dá conta o Relatório da Sra. Mary Bourke Robinson, Alta Comissária da ONU para os Direitos Humanos, publicado em meados de Setembro de 1999, maxime nos ns. 19 a 46, sob as epígrafes «Crimes Abomináveis» (”Wanton Crimes”) que aqui se dá como reproduzido.
Esse relatório conclui nestes termos peremptórios:
• Nº 47 – “Existe uma esmagadora prova de que Timor-Leste foi palco de uma deliberada e sistemática campanha de grandes violações dos direitos humanos. Condeno os seus responsáveis nos mais fortes e possíveis termos.”
Esse relatório refere crimes mas não aponta os nomes dos responsáveis. É, no entanto possível, desde já, considerar como presumíveis responsáveis, pelo menos por autoria moral (e nalguns casos também material), os comandantes das Forças Militares e os chefes das milícias que, durante o período dos massacres que imediatamente precederam e se seguiram ao referendo, ordenaram ou concordaram com essas atrocidades e que são pelo menos os acima referidos.
Observa-se ainda que essa responsabilidade existe ainda que, porventura, se não provasse o plano concertado para impedir ou pôr em execução o referendo a que atrás se faz referência. Com efeito, é absurdo pensar que esses chefes militares e das suas milícias não concordassem com as atuações das suas forças. Ao contrário, é evidente que lhes davam ordens para proceder aos massacres, as encorajavam na prossecução dos seus criminosos desígnios, ou no mínimo, consentiram que procedessem às atrocidades, sendo certo que era sua obrigação proibir essas atuações criminosas.
Mas além da presumível responsabilidade dos comandantes e chefes atrás indicados, há testemunhos que confirmam essas atuações criminosas.
Três exemplos:
A testemunha Tomaz Gonçalves, adiante arrolada, forneceu ao “Expresso” um testemunho particularmente esclarecedor a esse respeito.
As testemunhas Agostinho Santos e Valente Domingos esclareceram ao “Público” os pormenores da tortura e assassínio de Má Hodu por Simão Correia, soldado indonésio.
A testemunha Jill Jolliffe colheu depoimentos diretos de várias outras atrocidades.
Esses crimes integram as previsões dos diferentes tipos de “Crimes contra a Humanidade” constante dos seguintes artigos do Código Penal Português:
Art. 239 – Genocídio
Art. 240 – Discriminação racial, étnica, nacional ou religiosa
Art. 241 – Crimes de guerra contra civis
Art. 243 e art. 244 – Tortura e outros tratamentos cruéis, degradantes e desumanos.
Para além do que vem referido, os crimes denunciados no relatório, estão também previstos nas Convenções de Genebra de 1949 (subscritas também pela Indonésia), designadamente nos artigos 49, 50, 52, 129, 130, 146 e 149 aplicáveis à situação em apreço, que prevêem as seguintes atuações criminosas:
Ofensas contra pessoas protegidas (feridos, doentes, prisioneiros de guerra, habitantes de território ocupado, civis) como morte voluntária, mutilação, tortura, tratamento desumano;
Ataques diretos às populações civis que resultem em morte ou sérios danos físicos;
Destruição ou retirada de objetos indispensáveis à sobrevivência da população civil;
Transferência pelo poder ocupante de parte da sua população civil para os territórios ocupados.
Os crimes atrás referidos foram praticados concertadamente pelos denunciados em obediência aos propósitos de eliminação física ou de transferência forçada de todos os naturais de Timor-Leste que não aceitassem a anexação do território perpetrada pela Indonésia, de aterrorização da respectiva população mediante o recurso a milícias armadas, treinadas e protegidas pela Polícia Indonésia, da qual secretamente dependem; eles praticaram atos de terrorismo, entre os quais raptos, prisões, assassínios, atentados com armas de fogo e com instrumentos explosivos, e violações, por vezes com caráter seletivo e outras vezes com caráter aleatório, destinados a intimidar as populações de Timor-Leste.
Dr. Luis M. De Sande Freire, é presidente da ALDH, advogado,
membro da direção de Direito e Justiça da Seção Portuguesa da
“Comission Internationale des Juristes” em Genebra.
Ex-secretário geral da Ordem dos Advogados de Lisboa.
Ex-professor assistente da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Portugal.