Justiça, Pacificação Social e os Operadores do Direito

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Amália Negrão Leite Ribeiro

O ser humano é, por essência, gregário. Vive, portanto, em permanente interação. Buscando suprir suas necessidades, exercendo seus diversos papéis, a tudo atribui valor – dimensão da realidade que o rodeia. Chegando ao terceiro milênio, vivenciando o processo de globalização, tendo acesso a recursos tecnológicos que se tornam disponíveis de forma mais e mais diversificada e célere, o ser humano vê-se compelido a buscar novos padrões, novas soluções que supram suas necessidades.

A Teoria Hobbesiana já tentava explicar o processo da luta pela sobrevivência afirmando que “O homem é o lobo do homem”: pensando defender seus próprios interesses, tenta dominar o próximo, instalando-se uma disputa de todos contra todos. Deste processo emergem a competição, os conflitos. Em busca de segurança, paz e justiça, os grupos humanos submeteram-se, então, ao poder do Estado. Estado este que, no transcorrer de séculos, adotando as mais variadas ideologias, não se mostrou apto a proporcionar à humanidade os ideais nele depositados. Este é o registro histórico.

Diante de resultados tão frustrantes, os métodos adotados precisam ser revistos. E esta imprescindível revisão vem, de forma objetiva e convincente, exposta por Norberto Keppe e Cláudia Pacheco: cada ser humano precisa tomar consciência de si mesmo.

O papel que representamos deve ser expressão de nossa realidade interna. O grande problema do ser humano, e de toda a humanidade, é o da não aceitação da consciência. A essência do ser humano é constituída por bondade, beleza e verdade – elementos que persistem no elemento intelectual através da razão, que é a própria virtude colocada em ação, porque é oriunda da ética.

Pelo sentimento unido ao intelecto, a verdade entra na civilização. Vivendo a emoção, conseguimos penetrar na realidade. Se, historicamente, a sobrevivência dos grupos humanos gerou conflitos e, nem mesmo sob a “proteção” do Estado estes foram solucionados, há que se concluir que o homem e a sociedade estão doentes.

A cura do ser humano está na dependência do grau de interiorização que consegue alcançar. Através do processo de interiorização, o homem aceita voltar para si, atinge o equilíbrio interno. A consciência é um misto de conhecimento e ética – conscientizando-se de seus erros, surge a possibilidade de elaborar os meios para evitá-los e corrigi-los, assumir a honestidade, viver virtudes. Unificando o sentimento (de amor) ao raciocínio é gerado o sistema de ética, que depois leva o ser humano a cuidar de suas emoções e idéias. A ética é o maior bem do ser humano, a responsável por toda sua paz, felicidade e saúde; tem origem nos verdadeiros conhecimentos, que jamais poderão vir à tona enquanto não se adotar um comportamento honesto.

Creio que somente com base nestas considerações cada um de nós tornar-se-á capaz de viver sadiamente, do quê decorrerá o resgate da saúde da sociedade. Assim sendo, como analisar as expectativas quanto à justiça? Como agir enquanto “operador do Direito”?

No Estado Democrático de Direito, o poder estatal – autorizado e legitimado pela própria sociedade – deveria visar a educação dos indivíduos, conscientizando-os da necessidade de uma convivência harmônica, para o quê não basta agir de modo a não prejudicar o próximo. Para atingir suas pretensões, o homem precisa favorecer a realização daqueles que o cercam.

Toda pessoa, mesmo que leiga em ciência jurídica, traz em si o impulso da defesa do que entende ser direito seu. Sabe que existem leis e que estas, necessariamente, devem garanti-lo. E, teoricamente, garantem.

Constituição da República Federativa do Brasil de 1.988:
Título II – Dos direitos e garantias fundamentais.
Artigo 5º
Inciso XXXV – A lei não exclui da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito.

Por este dispositivo constitucional, já instalado o conflito, vem garantido o direito de petição. O direito, pertencente a toda pessoa, de invocar a atenção dos poderes públicos em situação na qual sinta-se prejudicada. Aí caracterizada a existência da tutela judicial, a ser desempenhada pelo poder/dever do Estado, através da Magistratura, a quem foi transferida tal competência.

Exercer a jurisdição supõe examinar as pretensões e resolver o conflito, pacificando-o com justiça. Significa dizer precisamente a quê se tem direito e a quem cabe este direito, a partir do convencimento do julgador, segundo as provas apresentadas.

Em sendo a Jurisdição uma função da soberania do Estado, poder de ministrar justiça e dever de conferir a tutela judicial, é anseio de toda a sociedade que esta função seja desempenhada de forma a contribuir para a verdadeira conscientização e pacificação social.

Ministrar a Justiça é ser, a um só tempo, governante (sem integrar a classe política) e educador. Governante, por imputar a alguém a responsabilidade judicialmente apurada e ministrar a este alguém um remédio. Amargo, porque destinado a minimizar um mal já instalado. Educador, pois assumir e desempenhar condignamente esta função é participar da conscientização e defesa de valores essenciais ao convívio humano, cuja hierarquia resta comprometida, neste início do terceiro milênio.

Na vigência da chamada “Constituição Cidadã”, ao “Estado do Bem Estar Social” cabe a garantia dos direitos de seu povo. E este Estado não corresponde, naquilo que lhe compete. Tem-se revelado administrativamente omisso quanto às iniciativas que lhe cabem, o que incrementa os conflitos.

Paralelamente, também por determinação constitucional e legal, na grande maioria dos conflitos, o indivíduo só pode invocar esta tutela estatal através de um profissional capacitado e devidamente constituído: o advogado. Logo, o advogado é procurado para solucionar uma divergência, um conflito de interesses. E tornou-se uma expectativa geral que esta solução advenha da propositura de uma ação judicial ou, se já movida a ação contra seu cliente, que o defenda no processo.

Também a lei – o Estatuto da Advocacia – prevê que “No seu ministério privado, o advogado presta serviço público e exerce função social.” (Lei nº 8.906/1994, artigo 2º, § 1º)

Toda lei advém de princípios, fundamentos, valores que norteiam a finalidade para a qual é criada: ordenar, disciplinar as atitudes dos indivíduos, visando a coexistência harmoniosa em sociedade, através da delimitação de direitos e deveres. Assim, a lei deve estar enraizada na Ética.

O próprio Código de Ética e Disciplina da OAB especifica, dentre os princípios que formam a consciência profissional do advogado e representam imperativos de sua conduta, “pugnar pelo cumprimento Constituição e pelo respeito à Lei, fazendo com que esta seja interpretada com retidão, em perfeita sintonia com os fins sociais a que se dirige e as exigências do bem comum”. (grifo nosso)

O bem comum é a coexistência pacífica, cada qual tomando consciência de seus limites e responsabilidades, assumindo que a busca de sua realização pessoal está vinculada à preservação e promoção dos interesses de todos que o cercam. Faz parte do processamento de uma ação judicial que o Magistrado abra a oportunidade de uma audiência de conciliação entre as partes envolvidas na lide. Mas não raras vezes esta audiência resta infrutífera, pois os ânimos já estão exacerbados pelos argumentos contrapostos no transcorrer do processo.

Neste contexto, procurado para participar da solução de conflitos, cabe ao advogado buscá-la, sempre que possível, pela via da composição, da conciliação, da pacificação, encaminhando as partes envolvidas ao consenso (cada qual tomando consciência de suas atitudes que colaboraram para a instalação do conflito) e possibilitando, desta forma, posterior continuidade de relacionamento harmonioso entre elas. Aqui, a verdadeira solução de conflitos, em que cada qual tem respeitado seu direito, pela conscientização de seus limites/erros e não pela sentença judicial, quase sempre rechaçada pela parte insatisfeita através de recursos, prolongando as desavenças e retardando a obtenção da pretendida Justiça.

Ainda que reconhecendo a necessidade e utilidade da jurisdição estatal em casos extremos, colaborar para um entendimento menos desgastante entre as partes, traz ainda mais dignidade à atuação do profissional advogado, diminuindo a sobrecarga da máquina estatal, abreviando a duração dos conflitos, fazendo prevalecer o justo em breve tempo e viabilizando, mais que a simples solução de um conflito, a pacificação social.

Postas estas considerações acerca dos procedimentos jurídicos utilizados quando os conflitos já se estabeleceram, só nos resta rever cotidianamente nossa conduta à luz dos ensinamentos de Norberto Keppe, em “A libertação da vontade”: O que se nota é que o verdadeiro fundamento do ser humano e da sociedade foi abandonado, motivo pelo qual a vida social caiu nesta total confusão; o ser humano deseja viver contra a realidade pessoal ou social; jamais conseguirá viver bem se não tiver uma existência de virtudes, voltada para realizar os valores morais.

Nas palavras de Cláudia Pacheco, em sua obra “A cura pela consciência – Teomania e Stress”, nós estamos todos separados por fatores imaginários e a única coisa que temos a fazer é conscientizar isto para que a unidade prevaleça.

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